Ana Pais Oliveira
Statement
PT
2016
Pintura fora de si
Relaciono o meu trabalho recente com a designação Pintura fora de si, o título das minhas duas últimas exposições individuais. É uma designação que se refere ao disseminado e amplamente discutido conceito de pintura expandida, ou campo expandido da pintura, mas, aqui, e mediante uma aceção talvez mais poética ou subtil, refere-se à pintura que deixou de estar bem na sua pele e de se identificar com os convencionais modos de a definir ou traduzir, iniciando uma viagem em direção a campos vizinhos que a enriquecem, complementam ou transformam significativamente. Deste modo, esta pintura chama, para si, coisas que gosta de ver na escultura, na instalação ou na arquitetura, como se por momentos as invejasse, embora logo de seguida se lembre que estar fora de si é um estado de enorme ansiedade e desconstrução identitária, que mais vale regressar a si mesma e comportar-se com honestidade. Aí, a pintura fica consciente de si, voltada para os seus próprios meios, processos e questões. Pode parecer não estar bem onde está, pode viajar e procurar pontos de fuga inesperados, mas regressa sempre a si mesma. Esta pintura fora de si materializa-se em objetos híbridos com uma relação aproximada e aprofundada com a linguagem da arquitetura ou com o espaço real, cuja dimensão pictórica é, na maioria das vezes, evidenciada através da cor como elemento significativamente transformador do espaço e da arquitetura. Na verdade, a cor, no meu trabalho, é utilizada como base do processo criativo e um elemento de composição fundamental na interação entre as linguagens pictórica e arquitectónica, bem como na nossa percepção da profundidade, do volume, da ilusão e do comportamento de objetos-pintura tridimensionais que mantêm uma conversa subtil com a arquitetura.
Em alguns casos, a deriva tridimensional da pintura acontece na própria escolha dos suportes, como é o caso das telas com diferentes larguras e espessuras que se articulam como um espaço unificado, embora mutável de acordo com o ângulo de percepção. Aqui, a pintura quer sair da parede, tornar-se volume e coisa contornável, embora não chegue a abandonar a parede. Talvez haja uma falta de coragem, talvez um ser fiel ao seu ser pintura, embora se acrescente um convite a uma experiência mais física e interactiva, como se as casas nos convidassem a entrar e a espreitar o que guardam e protegem. E, para percebermos todos os detalhes da pintura, somos forçados a percorrer o espaço, através de uma ação mais performativa.
Noutros casos, a pintura chega a sair de si mesma e torna-se objecto tridimensional, sugerindo a projecção de uma arquitetura impossível de construir, embora se mantenha presa à parede.
Finalmente, em soluções recentes, a pintura efetiva o sair de si mesma e o sair da parede, ocupando o espaço e invadindo a arquitetura. É nestes casos que se oferece ao espectador a possibilidade de criar as ações de aproximação, afastamento, dobrar-se sobre o objecto, espreitar, entrar ou contornar a pintura.
Em todos os casos, a pintura conversa subtilmente com a arquitetura através de um mútuo questionamento e hibridização e, geralmente, a dimensão pictórica prevalece como resultado do privilégio dado à cor, esta enquanto elemento visual e expressivo com um significativo potencial transformador inerente às relações espaciais.
2012
O meu trabalho propõe uma aproximação ao modo como as linguagens pictórica e arquitectónica se podem contaminar e potenciar mutuamente através da cor, esta enquanto elemento fundamental de composição, determinante no processo criativo e capaz de transformar significativamente o espaço e o modo como o percepcionamos, recebemos e experimentamos. Assim, a apropriação da linguagem arquitectónica para o espaço pictórico surge como forma de desenhar e estruturar a paisagem – uma paisagem construída, intervencionada e humanizada. A paisagem pensada do ponto de vista da arquitetura implica pensar-se o homem, a sua escala e as suas normas. Torna-se produção humana e o seu espaço transforma-se à medida que surgem transformações sociais, culturais e políticas. O modo como a paisagem se submete à arquitetura, ou como esta a projeta, caracteriza e transfigura, insere-a necessariamente num contexto de transitoriedade e mutabilidade.
Neste contexto da relação intertextual entre pintura e arquitetura, interessa-me utilizar a entropia da cor e a identificação dos conceitos de ordem, caos, fluxo, equilíbrio, dinâmica e composição inerentes às relações cromáticas. Através destes conceitos, a pintura pretende desconstruir a arquitetura, tornando-a ficcional e disfuncional, flexível, virtual e transformável.
Procuro, assim, trazer para o espaço pictórico a ideia de um espaço arquitectónico penetrável, contornável e experimentável, onde estão presentes os conceitos de espaço, escala, limites, matéria e construção. Apelo a uma ideia de habitabilidade, a uma vontade ou necessidade de morar nestes lugares.
Ao longo deste processo, pretende-se criar uma interacção e diálogo entre pinturas com representações arquitectónicas; objectos pictóricos com uma dimensão arquitectónica, como construções que podemos contornar fisicamente e explorar na sua tridimensionalidade; e pintura feita diretamente no espaço arquitectónico, onde a cor pode determinar o impacto do edifício ou espaço expositivo na área envolvente, como uma pele que assume autonomia em relação à sua estrutura e funcionalidade. Em todos os casos, é objectivo funamental explorar, experimentar e analisar o potencial transformativo da cor.
A casa é utilizada como exemplo paradigmático de abordagem ao lugar, às vivências pessoais e íntimas e à experiência emocional de habitar, ocupar e utilizar. Existe uma construção psicológica da casa que nos coloca numa zona de conforto e construção identitária. Mas a sua representação desconstruída e descontextualizada, nestas pinturas, pretende refletir sobre aquilo que perturba o nosso conforto, a nossa segurança e a ideia de nos sentirmos em casa. A casa, ou a ausência dela, torna-nos vulneráveis. E por não ser perene ou indestrutível, por também viver e morrer, caracteriza e intensifica a nossa fragilidade.
Podemos ler, neste conjunto de trabalhos, a casa como diagrama psicológico que nos guia na construção da obra, da imagem e da paisagem em torno dos conceitos de uso, habitabilidade, intimidade, dicotomia público e privado, interior e exterior. Torna-se possível ver o lugar como habitável, pela presença da casa agarrada a um chão, ou de formas arquitectónicas que apelam à ideia de conterem e guardarem algo, alguém, experiências ou memórias. Mas também o podemos ver como inabitável, na presença de casas vazias, desprovidas da sua funcionalidade ou sem a capacidade contentora e protetora, largadas na ausência e no silêncio.
Ao longo de um processo de experimentação do potencial transformador da cor ao nível da percepção espacial, a apropriação da linguagem arquitectónica para o espaço pictórico originou um pensamento sobre a cor enquanto mediadora dessa relação intertextual entre pintura e arquitetura. Inevitavelmente surgiu a necessidade de uma exploração tridimensional do campo pictórico, de distender a pintura para o espaço real, o que origina novas preocupações com a relação entre a cor e o espaço e entre o espectador e a obra, uma relação que pode ser mais física e interativa. Esta opção permite a criação de objetos tridimensionais que se encontram num campo intermédio entre a pintura, a arquitetura e o desenho, valorizando deste modo a transdisciplinaridade como caminho para o aproveitamento das especificidades de cada linguagem.
EN
2016
Painting ouside itself
I connect my recent work with the designation
Pintura fora de si (Painting outside itself), the title of my last two solo exhibitions. It is a
designation that refers to the disseminated concept of expanded painting but, in this case, and perhaps in a more poetic and subtle sense, it refers rather to the painting that has ceased to feel comfortable with itself and recognize the ways in which it is conventionally defined, translated or portrayed, borrowing nearby grammars. It is a painting that moves forward in the direction of spatial research, tridimensionality and the invasion of the real space, remaining faithful to its painting being. Nonetheless, at the end of such journey, it always returns to its means, processes and questions, attempting to behave honestly and confirming its inexhaustibleness. This painting being is truly connected to the importance of colour in my work, used as groundwork in the creative process and a fundamental composition element that transforms spaces, their representations and the way we perceive, receive and experiment them. Colour has, in these works, a major role in the process of interaction between pictorial and architectural languages and specificities, being determinant in our perception of depth, volume, illusion and the behaviour of tridimensional pictorial objects that converse with arquitecture.
In some cases, the tridimensional drift happens in the articulation of canvases with different widths and thicknesses: painting wants to leave the wall, become volume and with a more evident architectural dimension. There is an invitation to a more physical and interactive experience, as if the houses were inviting us to enter and peek what is happening inside. And to perceive all the details of the painting, the spectator has to move and walk through space, approaching or moving away, creating a more performative experience.
In other cases, painting actually leaves itself, becoming object, volum and even more connected with architectural language. However, sometimes it does not leave the wall and the conventional way of showing it. It is as if the represented constructions that I use in painting are leaving the bidimensional surface but want to come back to its original shelter.
Finally, in recent cases painting leaves itself, leaves the wall and occupies space and architecture. It invites spectator to perform actions as approaching, moving away, bending over the object, peeking, going around painting or almost entering it.
In all cases, painting converses with architecture through a mutual questioning and hybridization and, generally, the pictorial dimension prevails, as a result of colour being privileged as an expressive and visual element with a significant transformative potential inherent to spatial relations.
2012
My work proposes an approach to the complementary relation between painting and architecture, using colour as groundwork in the creative process and a fundamental composition element that transforms spaces, their representations and the way we perceive, receive and experiment them. Besides an appropriation of architectonic language by pictorial space, transforming it in something deconstructed, fictional and dysfunctional, I’m interested in an expanded field of painting, where new possibilities of interaction between painting and the architectonic space, through colour, are explored. Moreover, the distension of painting to real space causes new preoccupations with the relation between colour and space and between the spectator and the perceived work, a relation that can be more physical and interactive.
Colour entropy, reflected in the concepts of order, chaos, dynamics, flow, balance and composition inherent to chromatic relations, should be identified and used within the interaction and mutuality between pictorial and architectonic languages. In this process, there is the intention to create a dialogue between paintings with architectonic representations; pictorial objects with an architectonic dimension, like constructions that we can physically explore and contour; and painting made directly in architectonic space or exhibition room, where colour can determine the building’s impact in the surrounding area and work as a skin of the construction, taking on autonomy from its structure and functionality. It is a fundamental objective to explore, experiment and analyse the transformative potential of colour in these projects.
On the other hand, there is an interest in the formal and aesthetical dimension of the architectonic language and the represented constructions, being wrong and impossible, intend to question what makes us feel at home, protected and sheltered. The house arises, here, as a paradigmatic example of the approach to place, to the intimate, personal and emotional experience of inhabiting, occupying and using. There is a psychological construction of the house that puts us in a comfort zone and identity definition. But its deconstructed representation, in these paintings, intends to reflect about what disturbs our comfort and the idea of being home. The house, or its absence, makes us vulnerable. And because it’s not perennial and indestructible, because it also lives and dies, intensifies our fragility.
Colour becomes fundamental in the process of creation of these landscapes, where architecture seems to be transformable, flexible, virtual, ephemeral, and malleable, devoid of its functionality and pragmatism. I valorise chromatic relations to create imaginary places and constructed and humanized landscapes. Architecture projects, characterizes and transfigures landscape, which necessarily inserts it in a transience and mutability context.
Ultimately, my work speaks about the way we perceive spaces unknown but possibly recognizable, familiar but impossible or non-existent. The different ways we perceive these places are necessarily intrinsic to our individuality and identity.
New possibilities of approaching how architectonic and pictorial languages can be contaminated, trough a three-dimensional thinking, are now under development. It is intended to explore new materials and scales, using colour as a concept and an autonomous element that defines the whole perception of the piece.
ES
2012
Mi trabajo se centra en la relación complementaria entre la pintura y la arquitectura, usando el color como base en el proceso creativo y un elemento que transforma los espacios, sus representaciones y la forma en que percibimos y experimentamos con ellos.
Además de una apropiación del lenguaje arquitectónico con el espacio pictórico, hay un interés por un campo expandido de la pintura, donde las posibilidades de interacción entre la pintura y el espacio arquitectónico, a través del color, se exploran.
Por otra parte, la distensión de la pintura en el espacio real provoca nuevas preocupaciones relacionales entre el color y el espacio y entre el espectador y la obra percibida, una relación que puede acrecentar ser más físico y interactivo.
Así, tengo la intención de presentar distintas posibilidades de diálogo entre la pintura y la arquitectura, a través del color: las representaciones arquitectónicas en la pintura; la creación de objetos pictóricos con una dimensión arquitectónica y tridimensional; intervenciones cromáticas directamente en la sala de exposiciones, modelando el espacio físico y nuestra percepción de ella. En todo caso, es el objetivo fundamental para experimentar y analizar el potencial transformador del color en esos proyectos. La entropía del color, que se refleja en los conceptos de orden, caos, dinámica, flujo, equilibrio y la composición inherente a las relaciones cromáticas, debe por ello identificarse y aplicarse en las relaciones entre esos objetos.
Además, hay un interés en la dimensión estética y formal del lenguaje arquitectónico y las construcciones representadas tienen la intención de cuestionar lo que nos hace sentir como en casa, protegidos y reguardados. Se pretende cuestionar la forma en que nuestra identidad es inseparable de los lugares que habitan, ocupan o donde creamos relaciones y recuerdos. Necesitamos un lugar para quedarse, para mantener lo que es nuestro y para recoger experiencias y afectos.
A lo largo de esto proceso, la casa se presenta como un ejemplo paradigmático de la aproximación al lugar, a la experiencia emocional y íntimo de habitar, ocupar y utilizar. Hay una construcción psicológica de la casa, que nos sitúa en una zona de confort. Sin embargo, su representación descontextualizada e disfuncional, en estas obras, tiene como objetivo reflexionar sobre lo que perturba nuestra comodidad, nuestra seguridad e la idea de sentirse en casa. La casa, o su ausencia, nos hace vulnerables. Al no ser permanente ni indestructible, porque también vive e muere, la casa caracteriza y intensifica nuestra fragilidad.
Podemos leer, en estas obras, la casa como diagrama psicológico en torno a los conceptos de uso, la habitabilidad, la intimidad, la dicotomía entre público y privado, interior y exterior. Podemos ver el lugar como habitable, debido a la presencia de formas arquitectónicas que parecen contener algo o alguien. Pero también lo podemos ver como inhabitable, en presencia de casas vacías, desprovistas de su funcionalidad o capacidad de contener, caídas en la ausencia y en el silencio.
Por otro lado, el paisaje se somete a arquitectura, o la arquitectura humaniza y transforma el paisaje, insertándola en el contexto de la fugacidad y mutabilidad. El paisaje diseñado desde el punto de vista de la arquitectura implica pensar al hombre, su escala y su reglamento. Se convierte en producción humana.
En estos trabajos la arquitectura dibuja e estructura el paisaje – un paisaje intervenido, construido e humanizado. Mi paisajes se construyen con el color, donde la arquitectura se convierte en algo virtual, ficcional, maleable, flexible, privada de su funcionalidad característica, buscando con ello llevar al espacio pictórico los conceptos de escala, límites, materia, construcción y habitabilidad.
Al final, el color es utilizada como concepto y elemento autónomo, capaz de modelar el espacio en el proceso de su construcción. Los colores se justifican y se influyen mutuamente. Cualquier opción está sujeta a toda una serie de relaciones y tensiones en un proceso de plena conformidad en que la identidad de cada color se define por la relación con otros colores. Es un proceso creativo que busca la orden y el equilibrio a través de la práctica, la experimentación y un proceso de ensayo y error.